Seguindo

Fernando seguiu como dito a si mesmo em frente ao espelho, mudou completamente em pouco tempo. Sua mudança só não era mais aparente, pois isolou-se. Era como se entrasse em uma desventura em sua própria mente, buscando respostas de perguntas feitas por ele, a ele mesmo. As coisas mudaram não só em suas atitudes, parecia que seus pensamentos conturbados refletiam em sua aparência também. Cada vez mais tatuado... Os cabelos não tinham um corte certo, era como se já não existisse mais uma só personalidade, era uma baderna de ilusões, mesclada à realidade perturbada em que vivia.
Com toda esta bagunça em sua vida, o circulo de amigos foi diminuindo, sobrando apenas os que realmente se preocupavam com Fernando.
Gustavo era um dos mais freqüentes. Aparentemente, Fernando o tinha como um irmão mais novo. Gustavo percebendo a loucura do amigo; o chamou para morar em sua casa.
Fernando aceitou, por conta de querer se afastar das brigas familiares. Só havia um problema... As drogas!

"Como posso gostar tanto de algo que me leva o dinheiro, me destrói e, só me trouxe problemas até agora?
Isto é fácil de responder... Gosto do que me anestesia, do que me livra da dor deste mundo onde tudo se veste do contrário. Leva-me a picos de energia e me da o sabor do controle por alguns minutos. O gosto amargo é forte, mas prefiro sua amargura, a da vida.
Por enquanto me custa: dez reais. Mas sei que um dia, talvez, me custará a vida!
Mas quem se importa? Se nem eu mesmo o faço?!
Resolvi fazer tudo que tenho vontade, vou fazer arte, criar arte! Tocar as noites embalando as madrugadas com a minha musica, vou desenhar na pele aquilo que acredito e ser quem eu sou realmente... O problema... É que eu ainda não sei quem sou, nem como fazer tudo isto. Mas vou seguir."

“Tudo bem, tudo bem... Já chega de barulho!”.


Eu repetia esta frase diversas vezes ao olhar o teto que a chuva castigava...

Não agüentava mais o barulho que as gotas faziam ao cair.

Aquela madrugada que custava a passar; atormentava-me e não me acrescentava nada... Somente desespero.

A minha cabeça rodava, junto aos pensamentos perdidos que eu vasculhava... A tela do computador escurecia e voltava a clarear a sala vazia. Eu me perguntava o porquê estava lá, sentado a frente do mesmo. O sono era meu maior inimigo, travávamos uma luta e tanto.

A um tempo vinha vivendo este mesmo episódio de um pesadelo que parecia não ter fim. Era como estar encalhado em um jogo, sem saber para onde ir, nem o que fazer...

E eu não queria mais jogar! Tudo estava diferente. Eu passei a não suportar pessoas, brincadeiras, lugares e bebidas. Olhava a minha volta e via o que não queria.

Já fazia um tempo que não rendia o esperado no trabalho, minhas mãos não agüentavam mais o peso das ferramentas, nem minha cabeça o das responsabilidades. Na musica estava fraco e sem criatividade, não lia mais livros nem saía mais, a bebida vinha se tornando cada vez mais amarga, e o gosto por uísque eu perdi. O velho “Fernando vida dupla” estava perdendo a batalha, talvez não a guerra, mas a batalha! O espelho mostrava tudo, menos eu mesmo.

Eu me via tatuado, embriagado e magro. (quem dera fosse esta a verdade)

Mas não era! O que estava ali na verdade, era uma cópia mal feita de meu pai.

Um homem sério, sem muitas expressões. A não ser a de alguém castigado pela vida; e muito, mas muito rude. Talvez com barba demais, tanto faz.

Por dentro eu me debatia, como uma lagarta querendo sair do casulo que a aprisiona...

Nem mesmo George eu visitava. Se ao menos eu pudesse entender o que se passava em minha cabeça. Saberia encontrar a saída para isto, mas estava difícil de achar algo lá dentro. Se houvesse algo útil, estava bem escondido. Eu precisava achar! E com este pensamento eu caminhava pelo quarto e o bagunçava, e logo em seguida, sentava outra vez à frente de meu computador...

E assim, ele olhou fotos, fuçou arquivos esquecidos, lembrou de como era, e tremeu diante de si...

As coisas não se encaixavam em sua mente. Perdeu-se na maré de seus pensamentos.

Os desejos realizados não eram o bastante para seguir adiante...

As lágrimas seguraram-se em seus olhos.

De pedra! Ele era de pedra!

Mas somente por fora... Mostrava-se assim por proteção, talvez por medo.

Por dentro, um emaranhado de revoltas, desejos, amores e solidão, basicamente solidão.

Não se tornara assim por pouco, pensava coisas complexas, mas era simples, fazia o que queria, mas mesmo assim ninguém o entendia.

Odiava seguir ordens...

E às vezes em que era obrigado a seguir caminhos não ditados por ele mesmo, enlouquecia.

Caiu. Por varias vezes caiu, levantou-se...

E desta vez, mergulhou. Sentiu pela primeira vez a vontade insana de morrer.

Não era como outrora, que deslizava em uma rota de indecisões...

Era certo como seus atos que jamais voltaria atrás...

E o medo o tomou outra vez...

Irreconhecível, torturou-se com esse sentimento.

As lagrimas agora escorriam em seu rosto avermelhado, e polvilhado por cocaína...

"Você está MORTO!”.

Exclamou aos berros e apontando o espelho...

Talvez este fosse o seu desejo. Mal interpretado até por ele mesmo.

Talvez esta morte fosse apenas uma libertação, a satisfação do desejo por mudanças.

A partir disto seria um novo Fernando, mais liberto, que satisfaz os próprios desejos.

Aqui jaz...

Tudo corria bem durante a semana... A minha vida corria bem!

Eu não conseguia esconder a ansiedade para o encontro. Minha semana foi assim, corrida, com a cabeça nas nuvens.

A sexta mais esperada da minha vida (tudo bem é exagero) chegara!

Eu cheguei do trabalho e fui direto arrumar-me. Banho demorado, cabelo penteado fio a fio, barba feita com cuidado, dentes escovados e minha mãe estranhando toda aquela “frescura” que ela jamais tinha visto em mim. O dia estava perfeito, tudo parecia estar em harmonia... As horas passavam rápido, faltava tempo para todo o meu ritual de embelezamento.

Depois de me arrumar, se me lembro bem umas duas horas antes da hora marcada. Peguei o telefone com um sorriso estampado no rosto, liguei para Brunna... O telefone só fazia aquele barulho que me deixava cada vez mais nervoso... O barulho de ocupado!

A partir daí, o meu dia foi de mal a pior...

A chuva só aumentava, meu pai surtava como sempre de repente, atacava a todos como se fossemos inimigos, fazia cena e gritava por qualquer coisa, mas tudo isso não me impediu de seguir em frente, eu pensava: “se tudo isto aconteceu, é porque irá dar certo no final!”.

Pensamento falho... Cheguei no horário marcado, e até então ela não havia chego. Passei duas horas parado em frente ao Açaí bar, a espera de algo bom, com esperança de que ainda ia encontrá-la. Dizem que a esperança é a ultima que morre... No meu caso ela morreu rápido! Às duas horas debaixo de chuva me deixaram encharcado e com toda ira do mundo... Voltei para casa a pé, sem me importar com o tempo que levaria, nem com a chuva. A chuva naquele momento era uma aliada, escondia as lágrimas que escorriam em meu rosto e lavava minha alma... Eu só conseguia pensar nas palavras de George, naquele dia em que contei sobre Brunna, ele dizendo que iria ser como todas, que eu me importaria nos primeiros dias e depois me “apaixonaria” por outra, sim de fato eu era assim, ERA... Naquela altura de minha vida eu não queria mais paixões passageiras, eu já estava cansado de aventuras, e ninguém acreditaria se eu contasse este episodio. Já fazia um tempo que eu a observava, eu a desejava, queria conhecê-la bem, saber sobre seus anseios, sobre sua vida; e a partir daí, talvez criar uma nova vida, junto dela... Este era meu pensamento, mas as pessoas ainda me viam como um boêmio. Pois eu era um! Boêmio, mas consciente. Eu sabia o que queria, e neste momento de minha vida, seria crucial uma mudança, era tudo ou nada! O meu pensamento mudava a todo o momento, eu estava começando a pensar no que eu realmente queria... Se a banda seria algo a seguir em frente, se seria algo válido em minha vida, se a musica realmente faria parte de minha historia, se aquele trabalho me agradava, se era possível administrar o tempo entre ele e todos os meus projetos... Pronto! A confusão em minha mente estava formada. Tudo por um estopim... Aquele encontro mal acabado fez com que um montante de pendências se desprendesse das paredes de esquecimento que havia em minha mente. Poético? Não para mim. A partir deste dia, algo começara a corroer minhas idéias, tudo eu questionava, não havia coisa no mundo que me fizesse acreditar que eu era bom em algo...

“Ele sorria, ele chorava, gritava e acalmava...

Uma pessoa normal, vivendo nesta baderna organizada.

Crescia, sonhava... Tentava mudar o mundo...

O que ninguém percebia, era o vazio que tomava seu peito.

A falta de ser algo, sentir algo...

A superfície trazia as características de um homem forte e robusto, que consegue tudo com o próprio esforço.

Mas ele estava cansado. Muitas coisas as pessoas ao seu redor sabiam, mas não era tudo.

Ele escondia os maiores fatos, para que ninguém percebesse a pessoa perdida que conheciam.

Moldava-se a tudo, fazia tudo, tentava agradar a todos... Não conseguia.

De múltiplos talentos e uma forte inclinação para as artes...

Amava musica mais do que a si mesmo, sonhava ser reconhecido por isso.

Vivia por simplesmente viver, aprendeu a ser conformado, não totalmente, apenas redeu-se aos caminhos que vida nos dá...

Insatisfeito com a própria, não tomava rumos, seguia a maré, pois já estava exausto de lutar contra...

Aos poucos ia se rendendo, e ninguém percebia...

Eu sabia que um dia ele desistiria de vez...

Este era o meu medo. E eu sabia!“.

“Depressão... Você está em depressão!”.

Maldita frase indagada pelo psicólogo que me indicaram. Fui indicado a tratamento, pois estava com rendimento baixo no trabalho, isto uma semana após o episodio de encontro falho... Rápido não? Foi o que o psicólogo achou também...

Minha queda foi rápida, meu desapego também! Tornei-me um monstro em poucos dias...

Nada mais fazia sentido, e tudo isto por uma mulher? Não! Coisas pendentes em meu coração, sentimentos não liberados junto a vontades não satisfeitas, planos jogados foras por falta de incentivo, uma vida toda satisfazendo vontades de outros... Para que? Para que tudo meu seja jogado pela janela! Queria ser alguma destas coisas jogadas ao relento... Talvez me fizesse bem! Talvez, talvez, talvez... Sempre assim. Duvidas que me atormentavam, mas agora eu era uma bomba já detonada, com os estilhaços espalhados; e nenhuma mãe por perto para recolher os corpos dos filhos... Filhos da minha mente, que jamais foram criados. Agora abandonados, mortos e enterrados...

Os problemas só aumentavam na vida de Fernando, ele procurava os problemas, e os tornava parte de si. Em pouco tempo a imagem feliz do rapaz se desfez, e o que restou foi somente à imagem de rancor... As brigas familiares aumentavam; a ausência dele nos bares também. Passava maior parte de seu tempo livre sozinho, em lugares onde ninguém pudesse encontrá-lo... As horas em que passava dentro de casa eram em frente ao seu computador, escrevendo coisas incompreensíveis... Assim ele seguia a vida. Não demoraria a piorar... As drogas logo o atrairiam, passaria noites em claro, e traria preocupação para amigos e família...

Agenda cheia, viagens marcadas, passagens compradas...

Agenda cheia, viagens marcadas, passagens compradas...

Era difícil conter a felicidade. O sorriso vivia estampado em meu rosto.

Estava feliz! Mas estava mesmo?

Até então... Sim!

Tudo corria bem. As amizades eram verdadeiras, A banda ia conquistando cada vez mais fãs, e parecia que eu tinha encontrado uma moça legal para namorar, faltava apenas convencê-la de que eu era o “Cara” para ela.

A ansiedade para mostrar isto era grande.

Falava dela o dia todo, com todos que podia. Até meu horário de almoço no trabalho, procurei mudar. Almoçava mais tarde para poder encontrá-la.

Conversávamos bastante, e ela parecia gostar de mim. Com o tempo tomei coragem e a convidei para sair. Falei sobre um dos bares que costumava freqüentar com os amigos. Digamos que escolhi o melhor que freqüentávamos. Não poderia levá-la aos botecos que nos enfiávamos nas madrugadas perdidas e sem dinheiro. Iríamos a um bar Chamado “Açaí bar”.

Ela gostou do que falei sobre o lugar, e para minha felicidade aceitou o convite.

Ficava um pouco longe, na parte nobre da cidade... Tinha uma decoração boa e era um ótimo lugar para casais, tinha lugares mais reservados. Exatamente o que eu queria! Esta parte ficou guardada na minha cabeça. Ela descobriria as minhas intenções no dia do encontro...

Poucos sabiam sobre ela, somente os amigos bem próximos.

George e Gustavo souberam no mesmo dia em que a conheci, Douglas e Julio não sabiam muita coisa, mas sabiam da existência dela. Gabriel e Julia também sabiam.

Gabriel era um dos guitarristas da banda, o mais novo entre nós, mas não menos importante.

Ele destacava-se pela determinação e vontade de ser um grande músico...

Com um ouvido de ouro, distinguia as notas tocadas com facilidade e tinha uma criatividade que sempre achei que não coubesse naquela cabeça. Apesar de ter pouco estudo musical, surpreendia com suas musicas harmoniosas e bem tocadas.

Julia nos acompanhava nos shows, promovia festas para reunir os amigos em sua casa, e era quase como uma produtora, agendava shows e nos dava dicas para melhorar a banda. Julia tinha um grande coração, sempre cabia mais um! Eu gostava bastante da forma que ela tratava as pessoas. Apesar de nova, sabia conversar como gente grande e era bastante responsável. (comparada a muitos de nós). Tinha um grande amor, Marcelo... O fotógrafo. Marcelo também nos acompanhava... Tinha o trabalho de tirar as fotos dos shows.

Marcelo era considerado um prodígio das maquinas fotográficas. Com apenas dezesseis anos, tirava fotos profissionais, e mostrava-se muito dedicado a isto. Parecia ter experiência de décadas no ramo. Também era um grande amigo e aprendiz de musica, eu o ensinava a tocar bateria, juntamente a George, que o ensinava a tocar guitarra. Tinha grande facilidade em aprender novas coisas... Sentia orgulho em tê-lo como amigo. Marcelo sabia por alto que eu estava com uma nova paquera, pois o trabalho nos afastou um pouco.

Os dias pareciam não passar, e o fim de semana já demorava demais pra chegar...

Havia marcado o encontro com a Brunna em uma sexta-feira, pois era dia de musica ao vivo... Eram dias em que o lugar ficava mais cheio, mas a musica era boa e não teria muitos conhecidos. Para não ter problemas, avisei para todos os amigos que teria compromisso neste dia.

Nada de silencio, por favor...

“O vaso dá uma forma ao vazio e a música ao silêncio.”

Não sei onde li esta frase, mas ela me agrada demais. Eu costumo escutar muita musica, desde os discos de jazz de meu pai, aos “rock’s” pesados de minha coletânea de CD’s, sempre que podia, colocava meus fones e “viajava” em cada nota, cada batida. Nunca fui de ficar no silencio total, isto me atordoa, pois é no silencio que meus pensamentos berram em minha cabeça... Esta noite lutei contra todos eles. Fiquei no silencio absoluto de meu quarto, pensando, pensando e pensando... Eu me perguntava o que mais “EU” queria. Esta foi a pergunta que George indagou naquela noite...

“Fernando, diz-me o que mais queres?”.

Eu não soube responder, fiquei estático, tentando achar algo válido como resposta... Tentativas em vão. Naquele momento eu olhei ao meu redor, e vi o quanto era satisfeito com o que tinha. Amigos, dinheiro, e uma banda, que por sinal já fazia algum tempo que não se apresentava... Tudo me satisfazia de tal forma que naquele momento eu não precisava mais de nada... A banda me colocava em estado de êxtase, quase em outro mundo... Todo aquele barulho que não era feito por qualquer ferramenta ou coisas do cotidiano, mas sim pelas minhas mãos. Como era bom escutar aquilo ecoando em minha cabeça... Era assim que eu queria passar os meus dias, tocando, compondo, estudando musica, eu tinha algo que me proporcionava isto Eu era o baterista da banda, que se chama “In Memoriam”.


“Nada como uma boa musica feita com amor... Ela soa como natureza... É algo natural! Que transpassa quaisquer sentimentos, aguça sentidos e nos faz pensar... Quem nunca se identificou com uma musica?”


Assim eu pensava, junto aos outros cinco amigos com quem dividia os palcos...

O talentoso Douglas com sua voz inconfundível, sabia usa-la muito bem, encantava moças com suas composições e sua voz afinada, impressionava as pessoas com seu don musical, quando mais jovem fazia parte da orquestra local de sua cidade, mas encantou-se pelas noites e foi atraído pela musica que tocavamos. Nos conheciamos já fazia algum tempo e precisavamos de mais um vocalista. Douglas foi convidado para um teste, saiu-se bem, entrou para banda e apaixonou-se pelo que faria durante anos adiante. Douglas era como todos na banda... Amava a noite, vivia por musica e bebia demasiadamente para uma pessoa só. O único não alcoólatra era Julio o baixista, a sabedoria em pessoa, por mais jovem que fosse sempre tinha pensamentos adiantados e conselhos bons a dar... Tínhamos uma ótima relação éramos como irmãos... A musica que tocávamos era diferente, bem feita, mas diferente. Para minha mãe fazíamos apenas barulho, mas para os jovens que nos ouviam, éramos como o cantor predileto dela.

Se eu pudesse entender... (por George)

Se eu pudesse entender... (por George)

Quando Fernando chegou a minha casa, ele estava eufórico. Tocou a campanhinha três vezes e ainda gritou...

“George! George! Vamos desça logo... Tenho novidades!”

O atendi ainda com a roupa do serviço, acabara de chegar do mesmo.

Antes que pudesse dizer qualquer palavra, Fernando foi logo fazendo o convite.

“Vamos jogar umas fichas e beber algumas cervejas, tenho até algumas latas que sobraram de hoje, podemos ir bebendo no caminho...”.

Fernando dividia latas de cerveja com o motorista do ônibus, mas hoje o motorista estava doente e não bebeu. No caminho conversamos sobre suas novas idéias, ele queria abrir um negócio, gerar mais renda... Seriam planos em longo prazo, mas a conversa se estendeu mesmo quando entramos no assunto da moça a quem conhecera. Fernando trabalhava a dois anos fazendo manutenção de gasodutos e oleodutos em uma cidade vizinha, e por algum motivo ainda não tinha visto aquela moça, talvez pudesse ser uma nova funcionaria, mas ele jurava não ser. Pois ele dizia conhecer bem quem era novo ou não. Nunca conversamos muito sobre seu trabalho, quanto a isto Fernando era meio fechado. Tínhamos uma ligação forte pela musica e pelo alcoolismo, e nossas conversas resumiam-se a estas coisas (não somente), mas esta noite conversaríamos mais sobre a moça do que qualquer outra coisa... Ele a descreveu, eu escutei um pouco apático, mas um tanto quanto interessado...

O que me interessava mesmo eram as cervejas. Fernando gostava muito de uísque, mas bebia cerveja também. Alias o que não bebíamos?

Enquanto jogávamos sinuca e conversa fora, mais de nossos amigos boêmios chega... Era Gustavo. Não podíamos dizer que Gustavo era uma pessoa muito culta, não lia livros nem escutava boa musica, mas era uma boa pessoa, tinha o coração maior que o mundo, e tinha uma felicidade contagiante...

A primeira coisa que Fernando falou foi sobre a moça que conhecera em seu trabalho...

Eu vi empolgação nos seus comentários, mas ele sempre fora assim, o exagero fazia parte de sua vida, em tudo, na bebida, cigarro, felicidade, tristeza, e no amor... Principalmente no amor! Os dois ficaram conversando, enquanto eu bebia calado... Eu não me interessava por estas coisas. Os dois se entenderiam melhor sem minha presença na conversa

“Gustavo, você ao menos tinha que vê-la... Uma beldade! Não acredito que nunca tinha a visto por lá...”.

“Você se entusiasma com toda moça que conhece, já o vejo daqui alguns dias dizendo a mesma coisa por outra... Ao menos sabe o nome dela?”

“Claro que sei! A primeira coisa que fiz foi me aproximar e fitar seu crachá... Chama-se Brunna. Não conversamos muito, mas parece-me uma boa pessoa...”.

A noite acabou logo, junto com a cerveja, e o sono nos consumia acompanhado de uma leve embriagueis... A conversa me rendeu um pensamento atordoante...

“O amor é algo inconfundível, mas não o entendo, deixo isto ao meu amigo Fernando. Todas as suas conquistas são dignas de um cavalheiro. Poemas sussurrados, flores, e outras coisas deste tipo, misturadas a elementos com um teor “picante”, elementos que faziam parte de suas conquistas, estas mesmas as quais nunca o vi carregar nada, admirava a forma como saía de um romance, sem abalar-se. Algo que nunca consegui fazer...”.

A outra vida.

...Ainda eram dez da manhã e meu estomago já resmungava de fome...

O sol parecia arder de ódio por mim, meu rosto e minhas costas já estavam castigados pelo calor, a boca seca e a cabeça doendo eram sintomas deixados pela noite passada. A ressaca martelava minha cabeça! Enquanto eu só pensava em ir para casa, o horário de almoça parecia não querer chegar. Seria apenas ao meio dia! As luvas de couro que serviam para proteger as mãos, também serviam para secar o suor escorrido no rosto... E assim eu seguiria aquele exaustivo dia de trabalho, carregando pesadas tubulações de aço de um lado para o outro, moldando as mesmas as demais já instaladas em seus devidos lugares, o ar de arrogante, passaria a “ar nenhum” o cansaço já dominava quaisquer mudanças em meu rosto. Aquele lugar me transformava, talvez mostrasse o meu verdadeiro “Eu”... Sempre rude, com um ar sério, postura robusta e forte, trabalhando com firmeza. Afinal eu precisava daquilo para manter meus vícios e noitadas. Coisas quais eu amava. Ninguém me conhecera assim, somente os colegas de trabalho, com quem eu não tinha vida fora dali. Meus amigos me conheciam como o jovem boêmio, bêbado e músico, apenas isto. O único que talvez soubesse um pouco mais sobre meus segredos e esforços era George.

George era um grande amigo, compartilhávamos coisas fúteis e gostos que talvez só nós dois entendêssemos. George era uma pessoa muito inteligente, tinha suas manias inconfundíveis, escrevia muito bem, mas era muito acanhado para mostrar a muitas pessoas (eu o convencia a isso com muito custo), um grande músico, devo parte de minha evolução musical a ele. Toda a ansiedade de sair do trabalho era para colocar minhas idéias em prática, minha mente trabalhava rápido apesar da ressaca, e eu tinha que ver George, eu tinha novidades para ele...

Ao final do expediente, eu iria direto para casa dele. Eu tinha um trato com o motorista do ônibus que nos levava ao trabalho. Eu era o ultimo a descer, então eu lavava cervejas e salgados em uma bolsa térmica, e o motorista me deixaria nos locais desejados... Hoje a casa de George seria o ponto.

A primeira coisa que farei será chamá-lo para beber algo, e contar sobre a musa que conheci, mas as novas não se resumiam somente a isto. Ele é como um irmão para mim, e todos os meus planos o envolvem. Enfim. Meu melhor amigo...

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